quarta-feira, 11 de maio de 2011

"...Ensaio..."




"...finit corunat opus..."







És senhora de um mundo a teus pés. Nesse mundo, um veleiro era a nossa plateia exclusiva para o espectáculo mais fantástico que se podia imaginar, deveras. Davas-me a mão até ficar quente a ponto de gotejar suor. Cortejavas-me com olhares provocadores, respirações ao ouvido guardiãs dos segredos de prazeres milenarmente descobertos, e aproximações incitadas por leves tremores que a paixão criava em ti sem que pudesses contrariar. O espectáculo começava e o céu passava a ser cenário de uma chuva de luzes ancestrais. Havia quem lhe chamasse estrelas, mas nós não. Eram milhares de milhões de purpurinas vivas que reflectiam Amores de todos os mundos em redor, ou então apenas queríamos ser personagens principais nalgum momento da vida. O centro das atenções era contudo o branco imperial e excêntrico da lua, que deformava os olhares tornando-os exorbitantes e completando o significado de espelho da alma que alguém desconhecido um dia afirmou existir. O vento soprava música ambiente fazendo acreditar até os mais cépticos como nós que existia algo tão bom quanto o verbalizar dos sentimentos á pessoa a quem oferecemos o mesmo ar para respirar. Os aplausos vinham do mar, e da audiência assídua das ondas encrespadas em rochedos inexplorados, criando um ruído ensurdecedor e terno, tal era o paradoxo. De uma perspectiva mais longitudinal, a mãe natureza não passava da falta de razão. Não foi ela irracional ao criar-nos? A visão era interminável, até ao dia em que o teu coração de mau grado se fartou da simplicidade e do melhor que podia ter. Cedeu á luxúria da vida, ao dourado reluzente da ilusão, e acreditou que tudo que brilha é ouro. O veleiro baloiçou, as bandeiras hasteadas quebraram, e o mundo suspendeu o seu rito de movimentos cíclicos e divinalmente desenhados pelo arquitecto divino a quem tão poucos premeiam com o mais simplório dos méritos. Desenhas-te no ar uma tentativa de fuga arriscada mas determinada a qual eu passivamente deixei decorrer. Tentas-te recolher a âncora com uma mentira tal era o desespero e tendo entendido a fragilidade e a solidão em que vivias deixei-te criar pela primeira vez uma coisa só tua…a tua mais bela e astuta miragem. Tentas-te fazer uso das mais complexas artes de navegar mas nem o facto de bolinares te deixou avançar para paragens mais quentes que as minhas. Quanto mais palmilhavas para longe, mais a tua alma era minha, e menos a queria. Talvez não te perdoasse por nunca teres reparado em quem dava harmonia ao teu doce mundo. Não reparas-te tampouco que num piano lançava no ar notas que eram nada mais, nada menos, que o ritmo da tua vida, e que com notas num dó agudo e num sol a três tempos, fui maestro de algo tão grande como tudo o que a tua memória consegue lembrar-se se for capaz de se estender por apenas 3 segundos.
Agora dei autorização á mãe natureza e ao concilio dos deuses para te levarem para longe, mas destinei-te um lugar digno da tua memória. O mundo cai e levanta-se, os palimpsestos vão continuar a ser feitos, os erros não vão ser desalojados da nossa existência, nem os beijos vão ser dados todos com as mesmas intenções, e o Amor não vai ser nunca impossível de falsear. A questão é outra. Quando vai o teu olhar deixar de fazer sentido, o teu beijo largar o meu pensamento, a minha respiração deixar de ser acelerada pelo teu toque, e a tua presença valer menos que o mundo?