terça-feira, 9 de junho de 2009

***Assintomáticamente feliz***

A chuva extemporânea cai a par e passo com os meus gemidos ressoados pela humidade, e pelas memórias que tenho de ti. Saudade diria eu. Saudade de me Amar. Saudade de me Amares.
Apesar de tudo, acordei com uma invulgar sensibilidade. Sinto-te aqui comigo. Invades-me com um frio do outro mundo, penetras-me como um ser espectral e gelado como o ódio, que tento abafar, sem resultados, com o teu antigo cobertor. Pois, agora que penso bem era nele que te aquecias nos dias de frio, era nele que me enroscava abraçado a ti á uns quarenta anos atrás talvez, e sentia as tuas mãos frias junto das minhas que te aqueciam. O teu coração, por outro lado, aquecia quando, de um momento para o outro, já estávamos deitados no chão e o frio já não importava. Aquecidos pela loucura dos sentimentos á flor da pele, das palavras escritas no ar com cheirinho a desejo, dos vibrantes gemidos de prazer que soltávamos com cada movimento, com a paixão que emanavas de cada poro quando a minha mão te tocava de lés a lés. Os deuses ficavam invejosos de nos ver. Mostrávamos o verdadeiro sentido da vida, a particularidade dos seres mortais, o Amor. Eu tinha esse privilégio, e sentia-me mais poderoso que qualquer deus, bem me recordo. Por duas vezes fizemos o maior dos milagres, criámos vida.

“Avô a mamã trouxe-me para brincar consigo.”
“Ai foi meu riquinho?”
“Pai continuas aí sentado e coberto? Está um calor insuportável aqui dentro homem.”

Estás a vê-los? Nós fizemos algo perfeito. Porque continuas a querer destruir-me com esse frio? Já me chega o Inverno da vida em que me deixaste. Aliás foi das poucas coisas que me deixaste além das memórias, e o medo de não te ter. Sozinho não consegui mais do que este corpo envelhecido e alma de criança, este olhar esquecido com sorriso de bebé, e esta idosa sabedoria que me faz viver.
Estás a sair das minhas entranhas. Eu sinto-te a afastar. É não é? Sentes o mesmo que eu…Esta luz que é vida criada por nós, este Amor que passámos não quando estávamos no chão mas quando nos dávamos de coração, faz aquecer até o oculto, faz aquecer as almas penadas deste mundo. Perdoem-me o engano, as almas penadas do outro mundo porque neste, ho neste, é só há almas empenadas. Sim empenadas! Há almas que se dizem divinas mas nunca fizeram mais do que falar e pedir dinheiro àqueles que todos os dias trabalham sol a sol para ter um bocadinho de comida no prato. Eu sou divino realmente. Fui divino quando fiz milagres contigo, fui divino toda uma vida. Até a minha sabedoria é divina e ninguém sabe.

“Avô é o sol?”

O sol apareceu sorrateiramente por detrás de duas nuvens escurecidas pelas gotículas de água viajante que se mantiveram em suspenso e deixaram de bombardear o mundo. O sol abriu-se em mim também. Dividiu-me ao meio. Esta não é uma luta minha. É uma luta do mundo!
É a luta do camponês que trabalha quanto pode para apenas comer. É a luta do que nada tem para viver. É a luta do que tem alguma coisa mas não tem nada. É a luta do que tem muito e nada sabe. È a luta do mundo desde que ele foi inventado. É a grande guerra do Mundo contra si mesmo. Ups, peço desculpa eu não me meto, sou divino!