sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

"...Memorandum..."

Entro por entre a porta semi-aberta. Discreto. Cabisbaixo. Findou mais um dia de agonia. O soalho estala quando lhe ponho o pé, e avanço mais cuidadosamente. Ao fundo do corredor vejo luz. Terás tu voltado dessa cruzada para a qual não me levas-te?
Entro silenciosamente. Pouso o casaco na cadeira que me está mais próxima. Vivo o entusiasmo de sentir que te vou encontrar. Mas não, não estás. A esperança é a minha maior falha. Seguro-me na parede para não me desequilibrar com as tonturas, agora muito frequentes. Suspeito que me levas-te o equilíbrio. Olho bem para o sofá para ter a certeza que te foste. Era ali que me esperavas todas as noites. Deitavas-te envolta no cobertor mais suave que tinhamos, e aquecias-te junto á lareira.
Recupero a nitidez na visão. Guio o meu corpo até ao sofá. Entretanto descalço-me, célere e despreocupado, no meio do caminho. Sinto a suavidade da carpete de peles sob os meus pés. Sento-me. A lareira estava no ponto óptimo. Suspeito que tenhas sido tu que a deixas-te ligada para mim. Não tu não. Não a saberias ligar, nunca soubeste. Pedias-me sempre que fizesse a fogueira onde te irias aquecer, para que eu ficasse a teu lado.
A sala cheira a incenso. Jamais perdeu o aroma desde que deixaste de o pôr na mesa de centro. Olho lá para fora. A tempestade continua. Os vidros vibram com as línguas de vento cortante, a chuva bate com toda a ferocidade causando o pânico dentro de mim, e o frio que suponho que continue, já não gela apenas as flores e os transeuntes mas gela o meu coração. Faz com que a minha alma resfrie e constipe. Tento inalar o odor do incenso como se cheirasse a jasmim e hortelã numa tentativa infrutífera de me acalmar.
Sinto-me desprotegido. Quando te sentias protegida por te agarrar a mão enquanto te via adormecer, era eu quem encontrava o meu abrigo. Relembro.
Sinto a tua falta. Estou gelado pelas saudades que, sem escrúpulos, me devoram sem pensar duas vezes. A tua presença enchia os meus dias de uma alegria… Soberba alegria.
Vejo-te em todo lado. As chamas que ascendem na lareira são memórias tuas que ardem como naquelas noites. Recordo-me. Deitavas-te aqui. Insinuavas-te com esse olhar que me inundava de desejo, trincavas os teus lábios bem vermelhos e apetecíveis, dobravas o corpo com sinais sinuosos que me pediam para seguir o caminho da tentação que abrias na minha frente. E eu seguia. Caminhava até ti atordoado de amor. Puxavas o meu corpo para o teu enquanto me despias. Caias no chão levando num beijo todo o meu ser. Deslizavas ao meu encontro em busca da união das nossas essências á flor da pele. Estremeço. Vejo a lareira a crepitar e confundo aqueles estalidos com o bater dos nossos corações. Corações sincronizados, palpitantes. Os nossos corpos a suar paixões de outras vidas, os nossos olhares desesperam-se de gula por mais e mais movimentos do meu corpo para junto do teu, os nossos dedos entrelaçam-se, as nossas respirações transformam-se em gemidos de puro prazer, agarras-me com a ponta dos dedos que insistes em fazer descer corpo abaixo, o teu olhar está cristalino e a doçura é irresistível. Provámos esse Amor que é néctar dos deuses sobre o olhar atento de um luar, que jamais foi igual, por detrás desta vitrina.
Mas é tudo que me resta de ti. Memórias de um Amor perfeito que tu levaste contigo. Sentimento eterno que digeris-te num adeus sem sabor. E tenho-te mantido junto a mim, ainda que isso seja insidiar-me.
Levanto-me. Abro a janela. A sala é invadida por ventos de todo o mundo que gelaram tal qual eu. Só quero olhar as estrelas. Um ímpeto desconhecido desde há muito apodera-se de mim. Dizias-me que as olharias todos os dias da tua vida. Pergunto-me se pensas em mim e te alimentas da minha lembrança como eu faço. È o único maná que me deixaste.
-Penso.
A tua voz trespassou-me. Volto-me e vejo o teu rosto. Não mudou nada. Não sei se choras ou se estás encharcada pela chuva torrencial. A tua voz continua a soar, a tentar penetrar em mim. Desculpa hoje não te quero ouvir. Apresso-me a entregar-te o meu abraço. Ho fica! Fica nos meus braços, eles pertencem-te. È tão bom sentir-te junto a mim.
Tens a coragem de me olhar e eu o medo de não te olhar. Olhos cor de mel que brilham como charcos criadores dos arco-íris mais belos.
Mostra-me a realidade, mostra-me o que existe, afaga-me a dor. Vive-me hoje…e para sempre!



13 comentários:

Nádia Santos disse...

Memorias esquecidas de uma vida transparente pelo amor sentido, amor perdido em geraçoes porque existe quem fuga dele...essencias inapagadas pelas marcas deixandas pelo passado...sente, deseja, ama...Gostei...

Continua a escrever...bj

Anónimo disse...

Gostei !
Mas escreve-se tínhamos e não tinha-mos x)

*

Mara disse...

A esperança é o teu maior mal, e creio que o meu maior também.
É um amor arrebator este que escreves aqui e, como já é hábito, não o podia expressar de melhor maneira.

Gosto sempre*

beijinho

Mara disse...

*podias

Patrícia Santos disse...

Este Memorandum está sublime! Obrigada mesmo, é sempre bom ouvir a tua opiniao bj*

Diana disse...

Lindo demais

Rute Santos disse...

Gostei muito mesmo ! Quero voltar muitas vezes e "respirar" na tua escrita :)

Obrigada

made in ♥ love disse...

Podias escrever um livro... gostei muito


Um beijinho
Eduarda

Catas disse...

Se eu fico sem palavras para os teus comentarios, fico ainda "pior" quando leio os teus textos.
Tão profundo, tão sentido. Continua a soltar as palavras que te passam na alma, sao uma alegria para quem lê
um beijinho e obrigada *

Unknown disse...

manito do meu coração devias escrever um livro...

e não desperdices este teu dom nunca!

ADORO-TE!
ass:a tua nocas :)

Anónimo disse...

Passei por ca porque algures alguem divulgou este blog como sendo de alguem que pretende escrever um livro e que gostaria de algumas opinioes. Na minha opiniao, que nao vale mais do que isto mesmo, tens a arte e com ela podes fazer o que quiseres. Se é um livro que queres escrever, é um livro que podes escrever e serás bem sucedido.

Relativamente á tua escrita não pude deixar de reparar na intensidade que aplicas a cada momento por mais banal que esse possa ser ou parecer. Não pude deixar de reparar, já que sou nativa do mesmo signo, que és claramente um Escorpião. Não sei até que ponto acreditas neste tipo de coisas. Eu pessoalmente nao vivo a minha vida em funçao disto mas gosto de ler a respeito e acredito que muitas das caracteristicas descritas sao realmente compativeis. Neste caso, a paixao que aplicas na tua escrita, a forma como referes viver a vida (que acaba por se reflectir no teu texto), a intensidade que atribuis a cada passagem, o desespero que uma dor agodizante te pode causar, tudo isto associado a um ritmo pausado que ao mesmo tempo parece acelerado...tudo isto revela a "bomba" que existe dentro de ti e que tentas cuidadosamente manobrar para que nao rebente...
És claramente um Escorpiao...:)

Daí que ela acabe por explodir muitas vezes...como te acontece por exemplo quando escreves...:)

Queres escrever um livro?
Escreve!
(",)

B disse...

A forma como tu escreves, aquilo que tu escreves, aquilo que descreves... és unico! fantastico! continua sempre! amo ler cada um dos teus textos, mas aserio! =)

Margarida Sousa disse...

"Diogo Silva
"Pensar com a cabeça, sentir de alma e coração um dia de cada vez cada dia na sua vez"- É a tese utópica da minha vida na qual trabalho desde sempre. Orgulhoso bah demasiadamente. Gosto do cheirinho a estrugido e da acidez do limão, da paz da floresta e da emoção do pólo aquático, do cintilar da lua e do brilho dos olhos das pessoas puras (Que já são bem poucas). Adoro a vida como uma montanha russa cheia de energia velocidade e adrenalina mas tudo dentro do sistema juridico e da legalidade of course =0) PS: confesso que só estou a tirar direito para saber como fugir á lei hahahahahaha Baaaahhhhh desinteressante yaaaaahhh looool"

Ahah fantástico, gostei!
Vou seguir-te Diogo!
Um beijo