terça-feira, 4 de novembro de 2008

Noites passam, Vidas acontecem...


Pé ante pé entrei. Bati a porta, que chiava como de costume, e senti a atmosfera aquecer-me o rosto, subtilmente, com o calor que fazia adivinhar uma lareira acesa. Vi luz no nosso salão e de esguelha consegui ver-te deitada. Não te queria acordar. Isso seria acender o rastilho de um pote de pólvora. No entanto, tenho contornos de preocupação por ti. Peguei na manta, que muitas vezes nos tapou nas noites de desejo e de entrega, e cobri-te como se fosse o teu progenitor, como se fosses a minha criação. E eras. Eu moldei-te para mim, recordo-me. Dormias sossegada (pensava eu), sentei-me a observar-te, não pensava em nada exactamente mas queria ver-te, já que não tinha coragem de te olhar nos olhos ao menos aproveitava o teu sono para me acobardar. O relógio de parede cantava as 3 badaladas, não se pense que da tarde, mas sim da madrugada. Beijei-te o rosto em tom de despedida, ho se foi! As tuas bochechas rosadinhas pelo calor, contavam-me que havias chorado, faziam-me acreditar cada vez mais na culpa que sentia, mas dava-te valor. Valor por simplesmente chorares. Já não o conseguia fazer, tornei-me tão frio quanto o gelo.
Virei costas e pousei o casaco em cima da cadeira da longa mesa que recheava a sala. Levantaste-te mais rápido do que os meus reflexos conseguiriam prever, impulsionada pela raiva e revolta que fiz crescer dentro de ti, olhaste-me intrépida, não me receavas. Disse-te olá como se não quisesse tocar na tua ferida aberta, e te oferecesse o lenitivo milagroso. Aí é que foi! No meio de discursos inflamados, dissertações mentirosas e fingidas, actos irreflectidos balbuciavam sons estupidamente deprimentes. Ambos sabíamos que o trabalho era uma desculpa oportuna para procurar prazer alheio. Felicidade num prelúdio de infidelidade e culpa. Precariedade substantiva é o que é. A procura do éter da vida, do elixir que torna as horas em segundos, “matryoshkas” que escondem sempre mais um segredo dentro de si sem nunca se revelarem.
As tuas palavras fizeram-me sentir exumado, apátrida, sem rumo, sem nada. Que sujeito trai a mulher que Ama? A tentação é traidora. Faz-nos acreditar no sabor a caramelo, no cheirinho a lavanda, no som de fundo relaxante, no toque suave e doce que jamais terás. Ilusão. O orgulho salvava-me da vergonha (quantas vezes não acontece?), não me deixa baixar a cabeça em tom de desistência. Sempre fui assim.
Paraste. Viste que já não te ouvia. O meu interior repreendia-me mais do que tu. O meu olhar ficou vidrado. Porra! As lágrimas estrearam-se escorregando tristemente no meu rosto. Disse que te Amava…até parecia que ia resolver alguma coisa. Olhaste-me fixamente nos olhos que curiosamente me ardiam, e, ao mesmo tempo, na minha boca um sabor salgado invadia-me as papilas gustativas.
A manhã chegava ao som do galo muito característico da minha localidade. Os raios de sol entravam pelas frinchas ainda abertas da persiana. Já tinha passado muitas noites acordado do teu lado, mas nenhuma como esta. O Amor que sentia por ti nunca se desvanesceu, brincou comigo tão somente. A força invísivel que me atrai para ti não é a gravidade, é algo sem denominação, é mais exacto que a matemática, maior que os Mundos a descobrir. È a vida num sopro. Não me deixes ir…

5 comentários:

Ana Moreira disse...

Adoro o cuidado e carinho que depositas nas palavras. A tua escrita é leve e sublime. Adoro! Gostava de ser sensível como tu e de escrever assim :)

Anónimo disse...

Está mesmo bonito o texto (:

Vera disse...

Deixo a dizer que adorei cada detalhe, mesmo que da forma fria e irresponsável, e mesmo sacana que a 'tua personagem tu' comporta. Levemente, e de forma firme conseguiste com que eu adorasse cada palavra que está aqui escrita, e sem dúvida. Voltarei cá!
E desde já agradeço o comentário, parte da continuação lá está, o fim... quem sabe? quem sabe?

Catas disse...

Adorei cada promenor, parabens ;) *

Anónimo disse...

Adorei o texto !

Simplesmente já lindo !

Tens muito gente !

COntinua !