sábado, 8 de outubro de 2011

"...Desregrado..."



"...Como a noite amanhece, qualquer santo elouquece;

Quando acordas queres amar, é que o mundo faz-te frio,

como a água quer ser mar, a chuva quer ser rio,

se és semente queres crescer mas sem água vais secar,

vais ser tu a ir buscar o que o mundo não te der..."










De toda uma panóplia de escolhas foi a tua mão que decidi agarrar. Fiz-te andar no passo “apressado” tão típico em nós pelo passeio da marginal vila-condense. Aproveitei o vento norte, ainda apático apesar do Outono mais que instalado, para me impulsionar. De um lado, os chorões que cresciam nas dunas clamavam ao vento que servisse de maestro nas suas canções melancolicamente segredadas ao céu; do outro, imperava o mar que de mão forte se sobrepunha aos rochedos e na rebentação espalhava pelo céu gotículas de água numa tentativa desesperada de fazer o sol beber daquilo que não podia.
O forte de são João ficava alicerçado logo em frente, e o estímulo era tal, a vontade era tal, a força era tal, que decidi trepar até ao janelão de vigília contigo. Escolhi o rochedo onde pôr o primeiro pé. Senti firmeza e continuei. Apercebi-me do teu receio, sorri e dei-te a mão. Não abriras a tua boca nem um segundo, mas o tremor da tua mão revelava o nervoso miudinho que aparecia sempre que me vias, e o teu olhar a capacidade de me seguir para onde quer que fosse. No fundo esta era apenas mais uma caminhada em que eu estava contigo e tu me seguias. Sentis-te confiança e pisas-te o rochedo para subir. Olhei, reflecti, e escolhi o segundo ponto de subida. O chão ficara agora significativamente mais longe, mas a tua cabeça inclinava-se para cima ao meu encontro, e o teu sorriso respondia-me a toda e qualquer incerteza sobre a tua capacidade de me alcançar. Era, contudo, o sorriso capaz de me fazer cair a qualquer momento tal era a capacidade de abstracção que provocava em mim. Agarraste-me com força titânica e subis-te mais uma vez. Voltei a avaliar a parede de rocha antiga, desgastada pela maresia, e descobri a forma de subir ao janelão. Pus os teus braços na minha cintura para me acompanhares. Senti-os firmarem-se contra o meu corpo e um frio momentâneo percorreu-me a espinha como se tudo dentro de mim tivesse sido curado de uma enfermidade desconhecida, de um veneno astuto, ou de um passado oculto. Fechei os olhos, abanei a cabeça e trouxe até mim a realidade, novamente. Usei os braços para me erguer a mim e a ti para cima do janelão. Nunca hesitas-te em te agarrares a mim mostrando uma confiança inabalável de que poderia chegar mais alto levando-te comigo onde quer que chegasse. Sentei-me recostando-me para trás, ficando seguro apenas pela força braçal. Olhei para o horizonte que começava finalmente a engolir o sol degustando-o lentamente. Conseguia ver o farol onde adormecera em tantas tardes embalado pelo voo rasante das gaivotas, e por um assobiar que saia de mim em honra ao meu subconsciente eloquente. Por detrás do rochedo ficava a ”praia do forno” onde tantas vezes havia ido ver o mar contigo. Pareces-te adivinhar o que pensara. Levas-te a tua cara ao meu pescoço e senti-te a cheirar-me avidamente. Agora a fragilidade foi minha. Fechei os olhos e perdi noção do mundo em meu redor. Fui abalroado por réplicas de momentos que me havias dado a provar. O meu nariz reproduziu o teu cheirinho, e a minha pele sentiu de novo a tua pele embebida em suor nosso. Os meus poros abriam-se á passagem da tua mão com toque suave, os meus lábios saboreavam os teus, deixando escapar uma respiração proveniente das profundezas da alma, coberta de fuligem e mossas que regeneravam sempre que a tua respiração ecoava no meu ouvido. Entrelaçava os meus dedos nos teus e o meu coração sabia por quem tinha de bater. O meu corpo reagia a todo e qualquer movimento teu na minha direcção, mostrando que te conhecia muito antes de eu próprio me conhecer.
Senti-me obrigado a abrir os olhos quando a tua mão se fez notar, agarrando-me a camisola com força. Sabia que eras capaz de sentir o meu coração crepitar. Apercebi-me que tentara desde sempre descobrir o segredo do teu poder sobre mim. Puxaste-me contra os teus lábios e beijei-te não escondendo que inspirara com todas as forças que me restavam. Sou capaz de jurar que paras-te o tempo por segundos, fazendo-o voltar ao normal apenas quando sussurras-te que me Amavas ao ouvido. Mas foi assim que entendi. Afinal, o teu segredo é não ter segredo.

2 comentários:

AB disse...

Realmente é uma forma de escrita um pouco usual em mim, mas mostra na perfeição a maneira como o amor é em muitos casos ridicularizado, coisa que espero não se prolongar ._.
Contudo, tu continuas fiel a ti mesmo e a essa escrita poderosa que tens. Sendo partes da tua vida ou pura imaginação, não deixa ninguém indiferente (:
Um beijinho, Diogo.

SofiaBasto disse...

Muito obrigado pelo elogio, e aproveito para o retribuir. E digo-te mais, é com muito agrado que leio o teu blog. A forma como escreves não é muito usual, e é sempre fantástico ler um "fantástico português".
A maturidade da tua escrita reflecte-se também no impacto que esta tem no leitor, e acredita que ninguém fica indiferente a textos como estes!
Beijinho